Respiração Artística

Alberto Venceslau relembra emoções vividas em trajetória: “Ser gay e começar a dançar foram as coisas que salvaram minha vida”

Ator começou no teatro aos 20 anos e já se apresentou em mais de 50 países

Publicado em 13/05/2022 22:05
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Alberto Venceslau começou a dançar aos 20 anos na Cia dos Homens em Recife sob direção de Cláudia São Bento. No ano seguinte integrou o elenco da Cisne Negro Cia de dança em São Paulo dirigida por Hulda Bittencourt e DeAnima Ballet Contemporâneo do Rio de Janeiro sob direção de Richard Cragun.

Em 2004 entrou para o elenco do Grupo Corpo onde dançou durante dez anos sob direção de Paulo Pederneiras e Rodrigo Pederneiras fazendo turnês nacionais e internacionais por mais de 30 países. Em seguida integrou o elenco do Ballet Municipal de Niterói dirigido por Pedro Pires. De volta a São Paulo em 2018 inicia um novo momento na carreira, dessa vez, nos musicais.

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Convidado a fazer parte do ensemble de “Cinderella” de Rodgers e Hammerstein e em seguida integrando o elenco de “A Pequena Sereia”. Em 2019 foi convidado por Victor Rocha e Elton Towersey a integrar o elenco e coreografar o espetáculo “Se Essa Lua Fosse Minha”, pelo qual foi indicado a prêmios especializados. Atualmente Alberto integra o elenco do aclamado musical da Broadway “Chicago”, em cartaz no Teatro Santander, em São Paulo. Confira a entrevista:

Recentemente você foi o responsável pela coreografia do premiado musical “Se Essa Lua Fosse Minha”, através do convite de Victor Rocha e Elton Towersey. O que esse projeto significou na sua carreira?

Descobrir novas possibilidades é sempre muito válido e a coreografia do “Se Essa Lua Fosse Minha” foi minha primeira experiência como coreógrafo. A dança cobra um preço alto à medida que o tempo passa e, no meu caso, o preço é maior por causa de um problema na coluna que já me impossibilita de fazer muito como bailarino. Então, descobrir que existe algum talento aqui dentro pra coreografar foi descobrir um outro jeito de manter a dança na minha vida. Eu hesitei quando o Vitor me convidou, mas hoje, agradeço o convite e a insistência dele. “Se Essa Lua Fosse Minha” é um dos maiores orgulhos e prazeres da minha carreira.

O enredo do espetáculo foi baseado num clássico da música infantil brasileira que foi escrita por Mário Lago e Roberto Martins nos anos de 1930 e que até hoje está no imaginário de todos os brasileiros. Como foi o seu estudo para conseguir adaptá-la na coreografia e a responsabilidade de se trabalhar com algo que já está com uma presença tão marcada?

Na realidade, o nome do espetáculo faz uma alusão à canção, mas o enredo não foi baseado nela. O enredo foi inspirado em várias outras canções, brincadeiras, lendas e histórias e cultura popular pra contar uma história original. Eu tinha um norte, que era dar movimento às coisas que remetessem a esse imaginário; e que por ser algo tão marcante na cabeça das pessoas não foi tão difícil fazê-las reconhecer e se identificar com elas. Uma brincadeira de pula corda, uma coreografia inspirada na amarelinha, outra em ciranda, uma movimentação inspirada no zig zig zá dos escravos de Jó…este é um mundo rico de inspirações e de referências que me permitiram brincar, experimentar sem medo. O resultado é algo que quem assiste da plateia e que quem vive de cima do palco sente e se emociona (pelo menos é o que me dizem, quando elogiam a coreografia).

Alberto Venceslau (Foto: Reprodução/Instagram)

A sua história na dança já vem de algum tempo atrás, desde que tinha 20 anos. Através de tantas produções, tais como “Cisne Negro”, “Chicago”, entre outros que marcaram turnês nacionais e internacionais. Quais são as histórias e quais significados que a dança passou a trazer para sua vida?

Sempre digo que ser gay e começar a dançar foram as coisas que salvaram minha vida. Nasci em Recife numa família tradicional, católica de um lado, evangélica do outro e conservadora, bastante preconceituosa. Sofri abusos que criança alguma deveria passar, mas que infelizmente ainda são comuns. Sempre gostei de dançar e a vida toda fui tolhido e tive que lidar com a ignorância de muitos. Aos 20 anos, resolvi enfrentar todo mundo e comecei a dançar escondido. Por sorte, um ano depois recebi um convite pra vir estudar em São Paulo e minha vida começou a mudar. Dançar abriu um mundo novo pra mim. Pessoas, lugares, informações, experiências que eu jamais teria vivenciado se não tivesse enfrentado tudo pra dançar. Hoje, danço muito menos do que gostaria por causa do problema na coluna. Mas o prazer ainda supera a dor (não sei até quando rs).

Soubemos que entre as suas apresentações, você chegou a fazer turnê por mais de 30 países diferentes. Qual deles mais o marcou culturalmente e qual é a maior lembrança que cada um contribuiu para sua arte?

Impossível eleger 1 ou 2 ou 3. Foram mais de 30 países, incontáveis cidades e experiências. Mas vou destacar alguns. Quando era adolescente, eu era encantado com mitologia grega e lembro que dançar na Grécia teve um impacto diferente em mim. Foi especial estar naquele cenário de tantas histórias que eu só imaginava. Conhecer o Líbano e depois de alguns poucos meses ver pela televisão que os lugares que eu tinha visitado, tinham virado alvo de bombardeio também foi intenso. Todos os lugares tiveram sua influência. Assisti algumas das maiores companhias de dança do mundo, vi alguns dos melhores bailarinos, vi e vivi coisas que pouca gente vai viver. Quando o Vitor Rocha me convidou pra participar do “Se Essa Lua Fosse Minha”, hesitei e disse que talvez eu não fosse artista suficiente pra aquela empreitada. Ele então me disse: “Eu acho que os grandes artistas são grandes pessoas e eu sei que você é uma grande pessoa”. Eu e minha arte somos melhores por causa de tudo que eu vivi.

Alberto Venceslau (Foto: Reprodução/Instagram)

Como ator e bailarino, qual foi o momento mais difícil no qual você já teve que passar no ramo artístico? Alguma vez chegou a desistir da carreira?

Eu desisti da carreira! Quando eu estava com 15 anos eu queria ser ator e fui fazer uma aula com o Grupo de Teatro de Amadores de Pernambuco. Fui mal recebido, mal acolhido, as pessoas riam de mim, faziam deboche todas as vezes que eu falava…fiquei assustado com tudo aquilo. É assustador até hoje. Imaginar que eu fui naquele lugar achando que estaria num lugar seguro pra ser eu, pra experimentar, pra conhecer e foi tudo bem diferente. Me senti mal e disse que nunca mais queria saber de arte (a dança veio anos depois). Atualmente o mais difícil da carreira é a desvalorização do artista profissional. Hoje, sou ator de musical e é triste ver como as grandes produtoras tratam os artistas, a exemplo de não pagar o valor integral do cachê durante o período de ensaio. Quem detém o poder (o dinheiro), não tem nenhuma cerimônia de perpetuar tais práticas porque se valem da necessidade que as pessoas têm pra viver. Ingressos vendidos a valores astronômicos somente beneficiam às grandes produtoras e afastam o público; e os artistas nada podem fazer a não ser se contentar. De fora não se enxerga, mas o meio do teatro musical nacional reproduz relações de trabalho precárias abusivas. Episódios de racismo, preconceito com nordestinos, com gordos são corriqueiros e ficam impunes. Pessoas com esse histórico de agressões, continuam trabalhando, ganhando muito dinheiro e fazendo fama, quando deveriam responder por esses crimes. Pra ser artista não basta ter coragem, tem que ter estômago e muita saúde mental.

Além de ator e bailarino, o que mais o público precisa saber sobre quem é Alberto Venceslau?

(Rindo alto). O Beto é um questionador. Um cara que cansou de seguir regras, padrões, convenções; que cansou de ter que se adaptar pra caber em lugares pequenos demais pra ele. Uma pessoa que não reconhece a autoridade imposta pelo dinheiro, pelo poder. Que acredita que autoridade tem que vir através da competência e do respeito, o que está difícil no atual cenário do teatro musical no Brasil. Alguns dirão “chato”. Pode ser. Desses, me afasto, pois o ideal de comportamento deles não tem muito a me oferecer. O Beto é um cara muito do bem, que apesar de já ter vivido muitos perrengues, vive de bem com a vida. Um cara que tem no desconforto, na insatisfação uma mola propulsora para mudanças e que acredita que se não está bom para um, não pode estar bom pra ninguém.

Alberto Venceslau (Foto: Reprodução/Instagram)

A arte é importante para toda uma cultura por transmitir diversos sentimentos diferenciados. Como é para você poder ser uma dessas ‘sementes’ que agregam em transmitir alegria para o público? E como você vê o incentivo da arte no Brasil?

Eu fico feliz de ter escolhido uma profissão que não rende frutos só pra mim. Eu fico feliz quando as pessoas chegam perto, com os olhos cheios d’água, emocionadas e tocadas com algo que eu fiz, com algo que eu disse, pela minha dança; e agradecem pelo quanto fui inspirador. Ou quando alguma criança diz que quer ser igual a mim quando crescer rs. Como eu disse, dançar, salvou minha vida. Portanto, se de alguma forma eu continuar a tocar as pessoas e abrir horizontes para que elas se encontrem com o poder transformador e curativo da arte, eu vou ter atingido meu objetivo. Vivo uma máxima hoje: “Se eu não puder influenciar positivamente o meio a minha volta, estou no lugar errado”. Enquanto as pessoas se emocionarem com minha arte, estou exatamente onde eu deveria estar. Quanto ao incentivo à cultura no Brasil, o que dizer? Bolsonaro? Regina Duarte? Mario Frias? Sério? Infelizmente, estamos cercados da truculência incompetente de uma gente tosca e arrogante, que não respeita, nem ouve os verdadeiros artistas, mas apenas seus puxa sacos. “A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte […] a gente quer inteiro. Não pela metade”.

De toda a sua carreira até aqui, qual foi o momento mais emocionante e que te inspirou a seguir na área na qual escolheu exercer? 

Acho que vou ser pra sempre o “Beto do Corpo”, o “Beto do Mortal Loucura” (trecho do espetáculo “Onqotô”). Os anos de GRUPO CORPO rendem momentos emocionantes até hoje, como quando a Marisol (Marcondes) descobriu que eu era o bailarino de quem ela era fã a vida toda ou quando a Gabi (Germano) chorou ao se tocar que eu era o bailarino que ela assistia e se encantava sempre que me via dançar. São pessoas que, hoje, trabalham comigo, são amigas e parceiras que um dia eram fãs. É muito especial. Mas tenho que deixar registrado que as coreografias do “Se Essa Lua Fosse Minha”, em especial a coreografia em libras de “Através Dos Seus Olhos” me emocionam muito, tanto no palco quando estou em cena, como quando recebo elogios pós espetáculo. Pessoas emocionadas, chorando, sorrindo, encantadas com aquele outro jeito de me comunicar com elas, é muito especial.

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*Com Andrezza Barros

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