Isabella Bretz e Rodrigo Lana resignifcam essência humana em “Cabeça Fora D’Água”

Disco conta com participações especiais da vencedora do Oscar Markéta Irglová, a bielorrussa Katerina L’Dokova e do mineiro Renato Enoch

Publicado em 10/01/2023 00:42
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A parceria prolífica da cantora e compositora Isabella Bretz e do pianista e produtor musical Rodrigo Lana ganha um novo capítulo com “Cabeça Fora D’Água”, novo álbum dos artistas. Buscando um olhar indie folk com MPB sobre as desilusões do dia-a-dia, eles – mineiros radicados em Portugal – fazem do disco uma viagem global sobre as sensações que nos fazem humanos através de participações especiais.

Na faixa de abertura, “Respiro”, já surge a primeira convidada: a cantora e compositora tcheca Markéta Irglová, interpretando pela primeira vez uma canção em português. Com uma sólida e aclamada carreira solo, incluindo o recente “Lila”, ela é conhecida mundialmente pelo filme “Apenas Uma Vez”, com o qual ganhou o Oscar pela música “Falling Slowly”, e pela banda The Swell Season. No álbum, ela faz um dueto com Bretz sobre busca pelo ar como uma vontade de sair da inércia, trazendo o ouvinte para fora de sua zona de conforto e para dentro do universo do álbum.

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Essa mudança de ares pode ser representada em “Sentido”, uma experiência  sonora que passa pelos nossos cinco sentidos em busca da presença e do novo, com participação de Katerina L’Dokova, artista da Bielorrússia que usa tons da música folclórica de seu país em sua arte. Renato Enoch, por sua vez, colabora em “30 de fevereiro”, um protesto sobre a vontade de não seguir padrões. Enoch também é artista visual e assina toda a parte visual do álbum.

Pensado como uma reflexão pessoal contra toda a onda de informações, ansiedades e tristezas que teimam em afogar, o álbum apresenta artistas que querem não só nadar contra a corrente ou surfar na onda, mas conseguir transcender o caos, pelo menos pela duração de dez canções, encerrada com a faixa-título, e um dos pontos altos do trabalho. Com violões, piano, violoncelo, voz e elementos digitais, a faixa instrumental conta uma história que representa a mensagem central da obra, fazendo nossos ouvidos mergulharem não somente nas ondas musicais, mas também nas ondas do mar.

“Cabeça Fora D’Água” coroa um período fértil para uma parceria já de sucesso. No primeiro semestre, Isabella e Rodrigo lançaram juntos o álbum e livro “pequenezas”, transformando em poesia, música e arte breves histórias de conexão, alento e afeto juntamente com  Jackson Abacatu. Anteriormente, lançaram juntos o livro “Conhecimentos de Áudio para Cantores”, além de colaborarem extensivamente em seus projetos musicais, sendo o mais recente o disco “Retalho de Mundo”, que Isabella lançou em 2020. Confira a entrevista!

Como uma nova etapa na parceria entre vocês dois, o álbum “Cabeça Fora D’Água” possui como diferencial justamente puxar uma pegada mais indie folk e MPB, onde traz nas músicas a desilusões do cotidiano. Nesse caso, como a música conseguiu servir de forma de expressão para essas situações que decidiram abordar?

A ideia do álbum é conduzir o ouvinte por uma série de situações e emoções que nos tiram do equilíbrio, às vezes com humor, outras com introspecção ou energia. Acredito que a música é uma ferramenta extremamente eficaz para trazer debates e reflexões. Ela entra na nossa cabeça sem pedir licença, ao contrário de outras formas de comunicação. E há maneiras diferentes de a música expressar determinado sentimento ou opinião. Pode ser a letra que salta, a melodia, os elementos que são usados no arranjo… Tudo pode colaborar para passar a mensagem. Nós usamos recursos diferentes para traduzir (ou ao menos tentar) esses sentimentos todos. Em “Respiro”, por exemplo, além das camadas vocais que vão se abrindo e fechando ao longo da letra, a música foi literalmente dividida em blocos, de acordo com a fase de sentimento que a pessoa está. A estagnação, o início do movimento e a moção, de fato. Em “30 de fevereiro”, para trazer mais sensação de protesto, de firmeza, preferimos uma sonoridade mais de banda, com o auxílio dos metais. “Cicatriz” traz uma atmosfera mais misteriosa, mais obscura que evidencia bastante a letra sobre dores do passado. Já “Cabeça Fora D’Água”, que não tem letra, conta com os elementos sonoros contando a história, inclusive com algumas brincadeiras de equalização para simbolizar dentro e fora da água. Foi um processo muito interessante, divertido e profundo construir essas mensagens todas sonoramente e através das letras. 

É inegável dizer que a sociedade esteve em paz nos últimos anos, principalmente com as questões sociopolíticas levantadas com a pandemia, famílias que se separam por conflitos de ideologias, entre outras arbitragens que naturalmente aparecem em nossas vidas. Pelo álbum seguir essa tendência de desabafo em relação aos sentimentos que nos fazem ser humanos, acreditam que o projeto possa ter vindo em um momento certo? O lançamento foi premeditado para o momento que estamos vivendo hoje?

Sim, esse álbum foi todo pensado para este momento. Ele surgiu durante a pandemia e caos político no Brasil, no ano de 2020. A ideia era produzir em um ano, enquanto sentíamos tudo isso, e lançar em 2021. Mas o acúmulo de trabalho, alguns percalços trazidos pela pandemia e a expansão do projeto inicial com novas ideias fizeram com que ele saísse só no finalzinho de 2022. Entretanto, não perdeu em nada o timing, continuamos com todas essas sensações muito presentes e, para nós, chegou no momento perfeito para o que ele comunica. 

Isabella Bretz e Rodrigo Lana (Foto: Raquel Pellicano)

Além da parceria musical, vocês lançaram juntos “Conhecimentos de Áudio para Cantores”. Existe uma conexão entre vocês que faz a arte fluir e serem criativos. A união se tornou mais forte por conta da música ou do livro? Em qual vocês tiveram mais facilidade em trabalhar juntos?

Nossa parceria começou quando o Rodrigo foi convidado pra tocar no meu disco Retalho de Mundo, quando começamos a gravar em 2016. Mas nos aproximamos mesmo quando, nesse meio tempo, gravamos e produzimos juntos um outro disco, o “Canções Para Abreviar Distâncias: uma viagem pela língua portuguesa”. Este é um álbum sobre lusofonia, com 8 poemas que musiquei, cada um de um país que fala português, todos de escritores vivos. Ele deu origem a um projeto maravilhoso que nos levou e continua levando para muitos países. Acabou saindo antes mesmo do Retalho. Foi um processo muito nosso, de mergulho na literatura e na música. Sempre tivemos uma belíssima conexão musical e desenvolvemos uma forte amizade. Tempos depois começamos a namorar e estamos juntos até hoje. Ao longo dos anos fomos criando projetos que unem nosso amor pela arte e tecnologia: escrevemos o livro “Conhecimentos de Áudio Para Cantores”, que também ganhou uma página no Instagram, um website e um canal no Youtube; criamos o “Prêmio Audio For Singers”, para engenheiros de áudio; trabalhamos juntos no seu canal “Logic Pro Brasil” e no seu curso de mixagem; além de continuar criando obras audiovisuais e literárias com o “Pequenezas”. Temos muita facilidade de trabalhar porque temos habilidades que são diferentes e complementares. Eu fico por conta da parte mais conceitual, artística, além da gestão e produção executiva. Rodrigo é excelente arranjador, produtor musical e engenheiro de áudio. Então é quase como uma linha de produção, mas somos nós dois atuando em várias funções. As coisas vêm e vão de nós/para nós em fases diferentes do processo. Adoramos produzir música, mas também amamos nossos projetos culturais, especialmente os educativos. 

Algo que também está muito em evidência nesse novo álbum é com certeza a presença de participações especiais, e uma delas é a cantora e compositora Markéta Irglová, inclusive, ganhadora do Oscar pela trilha do filme “Apenas Uma Vez”, que natural da Tchéquia, interpretou pela primeira vez na carreira uma canção em português. Como vocês se conheceram e como foi dividir esse momento entre músicos?

Eu conheci a Markéta, inicialmente, através de sua atuação no filme Once/Apenas uma vez. Fiquei encantada pelo filme, pela história, pela Markéta e pelo Glen. O trabalho deles me impactou muito e me inspirou demais ao longo dos anos. Depois, a conheci pessoalmente no Brasil em 2010, quando fizeram um show em São Paulo. Conversamos brevemente. Tivemos algumas outras interações pela internet, mas em 2018 Rodrigo e eu visitamos o estúdio que ela e seu marido Mio têm na Islândia. Gravamos lá algumas versões do nosso trabalho “Canções Para Abreviar Distâncias”. Resolvi convidar a Markéta para um outro projeto ano passado e ela perguntou se seria em português, porque adoraria cantar na nossa língua. Fiquei surpresa e logo mudei os planos. Desisti da ideia anterior e a convidei para cantar “Respiro”. Pensei nisso porque é uma música com uma mensagem de movimento, de possibilidades. Ela tem muito isso na sua personalidade e no seu trabalho. Essa seria uma canção bem vocal e a participação dela foi muitíssimo bem-vinda. Markéta participou do arranjo e criou várias camadas vocais, enriquecendo demais a produção e a mensagem também. Por resumir tão bem a essência deste trabalho, escolhemos “Respiro” para abrir os caminhos, sendo a primeira música do álbum.

Isabella Bretz e Rodrigo Lana (Foto: Raquel Pellicano)

Ainda sobre a participação da Markéta, ela fez dupla com a Isabella Bretz, onde falaram sobre a vontade da pessoa sair da inércia e conseguir se soltar para um novo mundo e buscar se desafiar fora da zona de conforto em que está acostumado. Entre esse e outros exemplos que são trazidos no álbum, qual acreditam ter sido a mais marcante para vocês e que realmente tenham mexido com seus sentimentos?

A participação da Markéta, a da Katerina, do Renato, dos músicos que tocaram no álbum e de todos que se envolveram de alguma forma tiveram muita importância pra nós e para a obra. Admiramos absolutamente todos que participaram como profissionais e como seres humanos. Tê-los nesse álbum é motivo de grande alegria e orgulho pra nós. Cada participação tem seu motivo e funde-se ao que queríamos passar com a música, por isso é impossível escolher uma mais marcante. A importância dos temas abordados também vai variando de acordo com a fase vivida por nós e pelos ouvintes também, claro. É curioso ver como as músicas vão reverberando nas pessoas, cada uma reage de um jeito e se identifica com assuntos específicos. O projeto em si foi muito marcante e divisor de águas nas nossas carreiras. 

A questão da internacionalização é algo muito chamativo nesse projeto, principalmente no mundo conectado culturalmente em que vivemos hoje, outro exemplo que fez participação no álbum foi a Katerina L’Dokova, da Bielorrússia, e que apresentou justamente alguns toques folclóricos de seu país. Vocês consideram que uma das riquezas que esse lançamento trouxe foi justamente essa troca de experiências entre múltiplas nações?

Sem sombra de dúvidas! Sempre tive um encanto imenso e grande curiosidade pelo mundo. Estudei Relações Internacionais e faço muitos projetos na área, através da cultura. O nosso álbum “Canções Para Abreviar Distâncias: uma viagem pela língua portuguesa” tem por essência essa multiculturalidade, esse olhar pra fora e que volta pra dentro. Nesse álbum não poderia ser diferente. Seja nas participações internacionais, nos elementos escolhidos, na pesquisa sonora ou no canto em línguas diferentes, o aspecto multicultural permeia toda a nossa trajetória. Isso nos convida a olhar e ouvir além, a costurar culturas, a usar novas abordagens e aprender cada vez mais.

Isabella Bretz e Rodrigo Lana (Foto: Raquel Pellicano)

Outra participação, dessa vez natural de Belo Horizonte, foi o Renato Enoch em “30 de fevereiro” que trouxe um protesto sobre a vontade de não seguir os padrões que a sociedade impõe. Essa questão inclusive é algo que muitas vezes se torna responsável pelos conflitos psicológicos e físicos em várias pessoas. No caso dessa música em específico, o que os levaram a trabalhar nessa temática dos padrões?

Nascemos numa sociedade que já existe, com seus costumes, padrões e normas. Entramos num jogo cujas regras não ajudamos a criar e nem concordamos previamente. Caímos aqui e pronto. E esse não é um mundo gentil para as diferenças, é esperado que permaneçamos no molde. E se não seguirmos “o caminho”, “o roteiro”, cada pequeno desvio do plano é punido. 

Assim, “30 de fevereiro” veio de uma vontade de encorajar a espontaneidade, o que é diverso, na busca por mais frescor na vida. É uma maneira de lembrar que há muitas formas possíveis de ser e de estar, cabendo a nós firmar esses espaços e meios, nos posicionando com confiança.  

Com toda certeza, esse álbum nos leva a vários pensamentos e nos fazem questionar até nossas próprias atitudes como seres humanos. De forma geral, como esperam e quais as expectativas que carregam em cada um que busque estar consumindo o trabalho de vocês?

O nosso maior desejo é que as pessoas simplesmente ouçam. Se vão gostar, se identificar, se vai fazer alguma diferença na vida delas, já não é terreno para expectativas, não está ao nosso alcance. Apenas convidamos a encontrarem um momento de tranquilidade, um lugar calmo e silencioso e ouvirem o álbum do início ao fim, estando presentes. Verdadeiramente presentes.

Acompanhe no Instagram: Isabella Bretz e Rodrigo Lana

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*Entrevista em parceria com Regina Soares

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