Maurício Alcântara apresenta debate literário sobre a “hipsterização” em São Paulo

Antropólogo estuda as causas que motivaram os jovens de classes média e alta a se interessarem por bairros como Santa Cecília, Vila Buarque e Consolação

Publicado em 15/06/2023 23:26
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Nos últimos anos, tem havido um aumento significativo na procura por alguns bairros da região central de São Paulo por parte de jovens pertencentes às camadas médias e altas da população. Isso representa uma inversão da tendência histórica em que as elites se deslocavam para áreas distantes do centro. São diversos os fatores que impulsionam esse movimento, o qual é objeto de estudo de Maurício Alcântara em seu livro “São Paulo, a Cidade na Escala Hipster”, publicado pela editora Telha. Nessa pesquisa, o antropólogo investiga as motivações que levam esses jovens privilegiados a escolher viver na zona central da maior capital do país, impulsionados por novos repertórios – geralmente mais progressistas e alinhados às tendências globais – de vivenciar a cidade, reivindicá-la e desfrutá-la.

Além disso, o autor reflete sobre as consequências desse fenômeno de “hipsterização”, contribuindo para o debate global sobre a “gentrificação” a partir de uma etnografia urbana. O ponto de partida da pesquisa foi uma mudança no perfil do comércio local, com o surgimento de novos restaurantes, espaços culturais, lojas e cafés voltados principalmente para um público jovem, que se identifica com um espectro político progressista, trabalha em áreas que valorizam a criatividade e faz questão de usufruir de toda a diversidade cultural e dos serviços que a região oferece.

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“São Paulo, a Cidade na Escala Hipster” é o resultado de uma pesquisa antropológica realizada entre 2016 e 2019 no bairro da Vila Buarque. O livro apresenta uma breve contextualização histórica das transformações pelas quais o bairro e seus arredores passaram desde sua urbanização no final do século XIX, e analisa os diversos processos envolvidos na consolidação de uma “cena hipster” no centro da cidade. Isso inclui a disseminação de referências estéticas, tendências de consumo e estilos de vida em escala global, os impactos da precarização do mercado de trabalho nos novos estabelecimentos voltados para esse público e os debates sobre a segregação urbana que esse fenômeno pode provocar.

Maurício Fernandes de Alcântara é antropólogo, graduado em Comunicação Social pela Faculdade Cásper Líbero e em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, com mestrado em Antropologia Social também pela Universidade de São Paulo. Sua pesquisa se concentra no cosmopolitismo e na circulação de referências estéticas entre grandes metrópoles do Norte e do Sul global.

Como o contexto histórico da urbanização do bairro da Vila Buarque influencia as transformações observadas e discutidas na pesquisa?

Há fatores urbanísticos, fatores culturais e fatores históricos que permitem compreender esse fenômeno:

Os urbanísticos são uma infraestrutura (de transporte, serviços, comércio, lazer) já estabelecida há décadas, a oferta de uma grande diversidade de imóveis (de novos a antigos, de grandes apartamentos a kitchenettes) e investimentos recentes do Estado que tornam a região ainda mais atrativa (como a inauguração da Linha 4 – Amarela do Metrô, reforma da Praça Roosevelt, inauguração do Parque Augusta e os processos de conversão do Minhocão em parque).

Os culturais dizem respeito ao crescimento do interesse de pessoas mais progressistas em vivenciar a diversidade do Centro, e que percebem que estar próximo a tudo pode ser mais interessante do que a necessidade de se locomover de carro o tempo todo (na contramão da tendência históricas de as elites se deslocarem para longe da diversidade do Centro). A isso, soma-se a velocidade com que referências globais de consumo, de estética, de estilo circulam na velocidade da internet e com o aumento das viagens internacionais, com as redes sociais alimentando um imaginário de pessoas que, em todo o mundo, atuam como mediadores cosmopolitas que buscam traduzir experiências urbanas “desejáveis”, observáveis em outros lugares, em experiências “que faltam aqui” – mas que também ganham outros significados e outras características quando incorporam características locais.

Já os fatores históricos remontam à urbanização do bairro, que fica no limite do bairro nobre do Higienópolis. Desde o final do século XIX e início do XX, foi pensado como uma espécie de barreira de contenção do avanço das atividades comerciais do Centro em direção ao Higienópolis. Nessa estratégia, a região da Vila Buarque passou a concentrar universidades e espaços culturais de prestígio, e em meados do século XX passou a concentrar diversas entidades voltadas a áreas criativas, como arquitetura e publicidade. Isso sugere que a ocupação boêmia e “descolada” que passou a ser observada no bairro na última década não é exatamente inédita.

Quais são os debates levantados em relação à segregação urbana provocada pela hipsterização?

A hipsterização ocorre quando um bairro ou região passa a atrair e concentrar moradores, frequentadores e estabelecimentos voltados a um público hipster – que são justamente esses jovens adultos das camadas médias e altas, altamente conectados a tendências globais de estética e de consumo, mas que têm uma perspectiva política mais progressista, mais à esquerda.

Muitos estudos em cidades do Norte Global sugerem que a chegada desse público a bairros populares ou degradados significa a chegada dos chamados pioneiros da gentrificação – que é o processo em que populações de menor renda e mais vulneráveis são forçadas a se mudar do bairro por pressão da chegada de pessoas com maior renda e do aumento do custo de vida local. Segundo essas pesquisas, são os hipsters que começam a tornar o bairro mais atraente (ou mais tolerável) aos gostos de uma elite que antes não cogitava se instalar nesses bairros por medo ou por falta de prestígio. Para esse processo, a socióloga americana Sharon Zukin cunhou a expressão “pacificação por cappuccino”.

A pesquisa relatada no livro, no bairro da Vila Buarque, no centro de São Paulo, mostra que essa regra não é universal: pelo fato de a hipsterização acontecer em um bairro que historicamente sempre foi ocupado por camadas médias e altas, é difícil afirmar que o que esteja acontecendo na Vila Buarque seja sua gentrificação – na verdade, existem outros bairros no entorno, como Campos Elísios e Santa Ifigênia, que correm muito mais o risco de serem gentrificados do que a Vila Buarque e a Santa Cecília. Por outro lado, isso não significa que o custo de vida no bairro (assim como em diversos outros bairros da Capital) não esteja subindo, e que essa celebração da vida no Centro não possa ser uma ameaça à permanência das populações mais pobres no Centro – só não é na Vila Buarque que esse processo mais amplo de valorização imobiliária tem seus maiores efeitos.

Quais são as mudanças observadas na paisagem e no perfil de ocupação das calçadas da região central de São Paulo ao longo da última década?

Entre as principais mudanças perceptíveis está o surgimento de estabelecimentos comerciais pequenos, discretos, com decoração moderna e minimalista, oferecendo produtos sofisticados e artesanais, que dificilmente seriam encontrados em estabelecimentos convencionais. Esses espaços (restaurantes, bares, cafés, lojas de decoração, livrarias) não pertencem a grandes redes, se camuflam em meio à diversidade de comércios convencionais presentes no bairro, e atraem e concentram um perfil igualmente “moderno” de frequentadores que passam a circular pelo bairro e a buscá-lo como uma alternativa de moradia. Ao mesmo tempo em que esse fenômeno acontece praticamente sem ser percebido por observadores menos atentos, nos últimos resquícios de áreas passíveis de serem construídas no bairro (em geral ocupadas por estacionamentos) têm surgido novos edifícios residenciais que são divulgados enfatizando essa “vocação boêmia e descolada” do bairro, e que se somam à paisagem já estabelecida do bairro – que, ao mesmo tempo, permanece o mesmo, mas está em mudança.

Maurício Alcântara (Foto: Divulgação)

Quais são os principais aspectos abordados na pesquisa em relação à consolidação de uma “cena hipster” no Centro de São Paulo?

Em linhas gerais, a pesquisa parte de uma série de questionamentos: que fenômeno é esse que tem chamado a atenção da imprensa, do mercado imobiliário e da opinião pública sobre as qualidades de viver no Centro? Quem são esses novos frequentadores, o que eles buscam, e por que é justamente neste bairro que eles encontram espaços de sociabilidade e de lazer alinhados com seus gostos e expectativas? Que espaços são esses, a quem pertencem e como surgiram? O que isso diz sobre uma circulação global de tendências estéticas, de consumo e de maneiras de estar na cidade? Quais são os efeitos disso na prática, nos padrões de disputa pela ocupação do solo urbano?

Como a precarização do mercado de trabalho afeta os estabelecimentos voltados para o público hipster na região central?

Na verdade, muitos dos estabelecimentos são frutos da saturação de seus proprietários com suas carreiras profissionais – que abrem mão de fazer aquilo que sempre fizeram e que estudaram para fazer (na maioria das vezes ligadas a áreas criativas, como comunicação, arquitetura e artes), para empreender em algo totalmente novo, aliando não apenas o “ganhar dinheiro fazendo o que gosta”, mas também em espaços voltados para pessoas dos mesmos círculos de sociabilidade a que eles próprios pertencem. A pesquisa, então, acaba falando sobre características precarizantes de algumas das profissões de origem dessas pessoas das camadas médias e altas (que evidentemente não são se comparam à precariedade das condições de trabalho de públicos de baixa renda), mas também sobre como algumas atividades normalmente vistas como de baixo prestígio (como vender plantas, servir cafés, preparar drinks) ganham uma outra aura e novo status quando realizadas por pessoas com alto capital cultural e social, para públicos de seus próprios círculos de sociabilidade.

Quais são as perspectivas do autor em relação ao impacto da pesquisa e do livro na compreensão do fenômeno da hipsterização e suas consequências em São Paulo e outras grandes metrópoles?

A obra busca contribuir com um debate cada vez mais crescente sobre que tipo de cidade pode ser desejada, reivindicada e, de alguma maneira, produzida pelos habitantes; sobre quais são os efeitos de quando um perfil de moradores e frequentadores parece “mudar a cara” de uma região, e qual é o papel do Estado e do mercado imobiliário neste processo. Há vários anos esse debate extrapola os limites da academia e tem estado cada vez mais presente na imprensa, no audiovisual, nas redes sociais e no debate público – e é com esse debate que a obra pretende contribuir. Com relação ao impacto da pesquisa, a principal intenção é a de contribuir com perspectivas locais, questionando premissas do Norte Global que costumam ser encaradas como universais – e que muitas vezes podem impedir leituras mais ricas e mais complexas sobre esses fenômenos quando estudados em outras regiões do mundo.

Serviço:

Livro: São Paulo, , a cidade na Escala Hipster: Um estudo sobre cosmopolitismo, “gentrificação” e trabalho

Autoras: Maurício Alcântara

Editora: Telha

Páginas: 240

Preço: R$ 69,00

Adquira em: https://editoratelha.com.br/product/sao-paulo-a-cidade-na-escala-hipster-um-estudo-sobre-cosmopolitismo-gentrificacao-e-trabalho/

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