Suspense no Ar

“Terra de Almas Perdidas”: Uma envolvente jornada no universo sombrio do escritor Jefferson Sarmento

Novo livro do autor fluminense explora lendas do folclore brasileiro em enredo repleto de segredos e contradições humanas

Publicado em 27/07/2023 03:13
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No mundo contemporâneo, o escritor Jefferson Sarmento nos envolve em uma narrativa de terror, suspense e mistério em seu livro “Terra de Almas Perdidas”. Inspirado nas lendas do folclore brasileiro, o enredo acompanha a trajetória de Jonas Almozart, que fez um pacto para manter sua amante, Luiza, viva. Agora, em fuga após cometer um crime, ele encontra refúgio em um circo na misteriosa Enseada dos Novenos. Ali, uma série de eventos o leva a buscar o temido cramulhão da garrafa e confrontar uma mulher perversa, adorada por muitos cidadãos. Com ilustrações que complementam a leitura, a obra aborda as contradições e desejos humanos, questionando a ganância e o egoísmo.

Formado em Publicidade e Propaganda, com pós-graduação em Escrita Criativa, o fluminense Jefferson Sarmento é o autor por trás dessa envolvente narrativa de fantasia, que dialoga com as complexidades da existência humana. Editor da Tramatura, uma editora com foco em obras de fantasia, o escritor já publicou diversos títulos, como “A Casa das 100 Janelas”, “Noites de Tempestade” e “Os Ratos do Quarto ao Lado”. Em “Terra de Almas Perdidas”, ele nos conduz por um universo sombrio e intrigante, repleto de mistérios e surpresas.

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Qual foi a inspiração por trás da história de “Terra de Almas Perdidas” e como você desenvolveu a trama?

A semente da história veio da fantasia de Aladim e a lâmpada mágica, das 1001 noites, mas quando comecei a pensar em escrever a história de fato, a ideia já havia evoluído para o nosso folclórico Cramulhão da Garrafa. Em geral, antes de me sentar pra escrever uma história, preciso entender como uma ideia inicial impactaria uma pessoa real, e aqui havia duas perguntas pra iniciar a trama: sabendo que perderia sua alma, o que levaria uma pessoa a fazer um pedido para a garrafa com o diabo dentro? E como um objeto assim, cuja existência se tornasse quase pública entre as pessoas de uma cidade, afetaria cada um, mesmo os que nem imaginassem onde ele poderia estar? Essas duas questões me entregaram o personagem que eu precisava e sua jornada (quem ele é e por que faria um pacto), mas também o ambiente em que ele cumpriria essa jornada (quem eram as pessoas à sua volta e sua relação com a garrafa).

Como você descreveria o gênero literário deste livro e como ele se diferencia de seus trabalhos anteriores?

Terra de Almas Perdidas é um suspense sobrenatural com elementos de horror fantástico e do nosso folclore — e aqui está o ponto que distancia este livro das histórias anteriores. Sempre gostei de escrever sobre o nosso cotidiano, nossos valores e culturas — que é uma maneira de fazer com que o leitor olhe à sua volta em determinados trechos do livro e reconheça a ambientação e os conceitos da história como sendo seus. O “Cramulhão da Garrafa” faz parte do imaginário popular desde a colonização, esteve balizando as relações de poder dos barões do café, foi registrado nos trabalhos do folclorista Câmara Cascudo e “participou” de novelas — nestas, na maioria das vezes com um tom de deboche ou desconfiança farsesca. Só que aqui, deixei de lado esse ar de leveza irônica para criar uma história num campo bem mais macabro.

O personagem principal, Jonas Almozart, faz um pacto para manter sua amante viva. Como isso afeta a trajetória do protagonista ao longo do livro?

No início da história nós já sabemos que ele fez o pacto. A partir desse ponto, retroagimos algumas semanas para responder à pergunta: o que levaria uma pessoa a vender sua alma?

Jonas é um cético, uma pessoa comum que cometeu muito erros e se culpa amargamente por eles. E então se vê enredado por situações e histórias bizarras que desafiam e vão minando sua racionalidade, fazendo com que ele passe a acreditar (a contragosto) em coisas de que antes desdenhava ou simplesmente ignorava — como ter uma alma, por exemplo. Mas seu arco de personagem carrega outra mudança: a possibilidade de redenção. No início, ele aceita suas culpa e foge de um crime que cometeu porque não quer pagar a pena por ele — mas sabe que é merecedor dela e não questiona. Ele sabe e não esconde do leitor que tem falhas morais graves — mas perto das pessoas da Enseada dos Novenos ele parece um santo! Um… salvador. Alguém que vai remir as penas de todos que já tocaram ou quiseram tocar na garrafa. E, mais ainda: seria capaz de se salvar.

A história se passa em um circo na Enseada dos Novenos. Como você escolheu esse cenário e como ele contribui para a atmosfera do livro?

Eu sempre escolho cidades reais quando começo a escrever, e parto disso para criar um lugar específico dentro da ficção do livro. A Enseada dos Novenos é parcialmente inspirada nas ruas do Centro Histórico de Paraty, com suas construções coloniais, vias projetadas em curvas para facilitar a defesa da cidade quando ela era usada como porto para o escoamento do ouro que vinha de Minas. Parte da história de “Terra de Almas Perdidas” é contada como revelação de que a garrafa está ali, na Enseada, desde a época em que Don João VI refugiou-se no Brasil, fugindo de Napoleão, e que às vezes se hospedava com o conde que era teria sido o primeiro a possuir o Cramulhão e era dono de todas as terras daquela região. Com esse fundo histórico, fez todo sentido ambientar os acontecimentos num lugar em que a arquitetura e localização fossem como em Paraty. Contudo, eu sempre faço modificações muito profundas nos lugares que uso nas minhas histórias — mais do que a licença criativa pode defender, desta forma, surgiu a Enseada dos Novenos.

Já o Rendez-vous Cirque é uma espécie de contraponto à bizarria dos demais habitantes da Enseada. Em livros e filmes de terror, os circos geralmente são retratados como um ambiente de horror, com personagens bizarros. O Rendez-vous é o inverso disso: ele é porto seguro (ou quase) onde Jonas consegue se abrigar quando chega à cidade. E são os personagens que vivem ali há trinta anos que vão acompanhá-lo até o clímax da história — como protetores e protegidos, como uma família.

Jefferson Sarmento (Foto: divulgação)

O livro aborda temas como desejo, ganância e perversidade humana. Qual mensagem você gostaria de transmitir aos leitores através desses temas?

Que muitas vezes defendemos rótulos de valores que, com um olhar nem tão aprofundado assim, revelam-se vazios e desvinculados do valor original. Como professar uma determinada fé e atuar, no cotidiano, contra tudo o que aquela religião realmente representa; como apontar e condenar os crimes e falhas alheios e fugir de sua própria responsabilidade.

A pergunta que fica evidente na história é: como uma pessoa sequer aventaria a possibilidade de fazer um pacto com a garrafa, não apenas porque sabe a pena a que vai ser condenado, mas também porque o que o objeto representa vai contra tudo (absolutamente tudo) o que a religião professada pelas pessoas prega. Como uma pessoa pode chegar a esse ponto e ainda defender que está fazendo o certo?

A pergunta não tão evidente que eu gostaria de semear nas mentes dos leitores é: e eu? O que eu mesmo brado defender, mas saboto e justifico com migalhas mesquinhas todos os dias, cada vez que, criança, fico com o troco do pão que meus pais me mandaram buscar na padaria? Cada vez que um advogado usa os entremeios da lei para enganar o rito, o acordo, o contrato; cada vez que sonego um imposto aqui, uma informação ali; cada vez que escondo meus vícios baixos, mesmo sabendo o mal que me fazem e às pessoas que amo; cada vez que tiro vantagem de uma situação em detrimento do outro…“E eu?”

O livro é dividido em partes e inclui ilustrações de personagens e cenas-chave. Como esses elementos visuais complementam a narrativa?

A ideia das ilustrações é dar rostos e ambientes para o leitor. Situá-lo e ilustrar determinadas expressões, como o “olhar severo de Luiza” na primeira ilustração — uma espécie de expressão insondável que reflete as culpas do protagonista em sua narração. Mas aqui existe uma armadilha: é a interpretação dele que aquele olhar é um sinal de condenação. Fossem outros os seus pensamentos, seu estado de espírito, a interpretação de um rosto impassível seria outra.

Essa é uma alegoria para toda a história: os causos e revelações dos personagens acerca de tudo na Enseada são interpretações ou extrapolações deles — se um deles diz que algo aconteceu assim, não há como ninguém ter certeza de que tenha sio mesmo. Todas as conclusões a que o protagonista/narrador chega são interpretações suas para a realidade (para a imagem, para a história, para a ilustração), não necessariamente representando a verdade.

Como sua formação em Publicidade e Propaganda influencia seu processo de escrita e sua abordagem criativa?

Objetivamente falando: na melhor escolha de palavras e estruturação delas dentro das orações — como se estivesse trabalhando num texto publicitário. Precisa ser leve e fluído enquanto texto, mas sem perder a profundidade da informação, a relevância para a história. É claro que existem escritores apaixonados pela forma apenas, pela palavra, pelo texto. Sem desmerecê-los e a poética que eles traduzem em frases e versos, sou um apaixonado pela história, pelo conteúdo, pela estrutura que Aristóteles descreveu há mais de 3000 anos: começo, meio e fim. Pela jornada que Joseph Campbell descreveu na sua Jornada do Herói. Sendo assim, transportando para o texto literário a importância e a fidelidade que um texto publicitário precisa ter com o conteúdo que vai representar, sem perder a magia da arte de se contar uma boa história.

Além de “Terra de Almas Perdidas”, você já publicou outros livros de terror, suspense e fantasia. Existe algum tema recorrente em suas obras ou algo que o inspire constantemente?

A estranheza humana diante de situações impossíveis, fantásticas e inusitadas. Escrever é um processo às vezes trabalhoso, mas sempre divertido, e a maior diversão em uma história de terror é justamente colocar personagens que seriam pessoas reais comuns (você, seu vizinho, um colega de trabalho, alguém que você cotidianamente encontra ao sair de casa num mesmo horário todos os dias, o estranho que toma café na padaria do outro lado da praça onde você vai passear com o cachorro todos os dias) dentro de um mundo onde as regras do real não são as mesma que conhecemos aqui fora das páginas do livro.

Como é ser editor da Tramatura e ao mesmo tempo um autor publicado? Como essa experiência influencia seu trabalho como escritor?

As duas se influenciam diretamente, e, na verdade, o Jefferson Sarmento editor nasceu do Jefferson Sarmento escritor. A necessidade de entender melhor os mecanismos do mercado editorial acabou me levando por esse caminho. Entender todo o processo que existe entre o despertar da ideia que vai gerar uma nova história até o momento em que o “fim” é digitado no arquivo de texto é uma coisa. Já a jornada que esse original vai percorrer a partir desse ponto é uma construção coletiva (de revisores, diagramadores, capistas, gráfica, marketing, vendas…) que muitas vezes pode deixar um escritor entediado ou até com o pé atrás de certas decisões editoriais. Mas quando você está inserido nos dois processos (no solitário ofício de escrever e no exaustivo trabalho que é fazer um original ganhar estantes de leitores), o entendimento dos dois lados desse trabalho tornam-se mais complementares.

Pra citar uma “interferência” mais prática do trabalho de editor no processo criativo do escritor: hoje, quando estou escrevendo uma nova história, tornou-se natural pensar em momentos chave da história que podem ser usados numa campanha de marketing, que podem ajudar o trabalho do capista ou do diagramador a aproximar o design no livro da história…

O que os leitores podem esperar de suas próximas obras e projetos?

Gostei muito de visitar o folclore nacional com o Cramulhão da Garrafa, mas sinto que existe mais dentro desse baú de tesouros. Para o próximo ano, já estou finalizando uma nova viagem a esse mundo, mas dessa vez em não apenas uma entidade/criatura/ser do nosso folclore, mas várias. Teremos essa menina, ela se chama Mag Ventura, ela tem um estranho dom de fotografar pessoas e coisas que se revelam (nas suas fotos) mais do que aparentam ser. E nós vamos juntos acompanhar a viagem d’A Menina que Fotografava Estranhos desde a Bahia até o coração das Gerais em busca das próprias das próprias origens.

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