Representação

Tóia Ferraz fala sobre escalação de mulheres para papéis complexos no mercado audiovisual

Atriz que está na série “Olhar Indiscreto” da Netflix afirmou que sentia falta das mulheres em grandes papeis e decidiu investir em produções próprias

Publicado em 08/02/2023 20:21
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A atriz Tóia Ferraz sempre teve verdadeiro fascínio por contar boas histórias. Descobriu a atuação ainda na escola, aos 14 anos, e rapidamente se encantou. Cursou arquitetura na faculdade, mas logo entendeu que seu coração pulsava mesmo nos palcos e sets de filmagem. Abandonou a prancheta e se jogou no mundo do teatro e do audiovisual aos vinte e poucos anos. Desde então, fez trabalhos expressivos como a série “Ilha de Ferro”, na TV Globo, esteve no filme “Galeria Futuro”, de Afonso Poyart, e integra o elenco da série “Olhar Indiscreto”, o mais recente lançamento da Netflix que vem liderando o ranking das séries mais vistas no Brasil e no mundo.

O grande diferencial da série que acaba de estrear é ter uma equipe feminina contando uma história sobre o desejo feminino. O foco e o olhar são das mulheres e foi justamente isso que chamou a atenção de Tóia para o projeto.

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Ao longo de sua jornada, a atriz foi percebendo que sentia falta de papéis femininos complexos e que, apesar de todos os avanços recentes, seu mercado ainda era dominado por homens. Há 03 anos começou a escrever seus projetos e colocar neles as personagens que tem vontade de interpretar. É isso que a move todos os dias a seguir criando e batalhando pra tirar suas histórias do papel.

Tudo começou na pandemia onde ela criou, roteirizou, dirigiu e atuou em um projeto pro Instagram chamado “Da Janela”. Na websérie, ela interpretava uma mulher que observava e comentava da janela de seu apartamento a vida de seus vizinhos do condomínio. O projeto ganhou o carinho do público e fez Tóia perceber que a escrita também era uma paixão. Decidiu partir pra desafios maiores.

Atualmente se dedica a 03 três principais roteiros: um deles é uma série de TV cujos direitos foram comprados pela produtora Saigon Filme, em SP. O projeto já conta com uma diretora (um dos principais nomes de diretora mulher hoje no Brasil) e fala sobre abuso no ambiente profissional com foco no universo feminino. O segundo é uma minissérie dirigida por Vinícius Calderoni e Rafael Gomes inscrita num edital cuja previsão é sair o resultado ainda no primeiro trimestre de 2023. E o terceiro é uma série para o streaming, sua primeira comédia, que tem como pano de fundo os cenários paradisíacos da Bahia e fala sobre as diferenças sociais no Brasil de forma ácida e bem humorada. Está em fase de desenvolvimento. Confira a entrevista!

Durante a sua carreira, você participou de diversas produções de sucesso como “Ilha de Ferro”, esteve no filme “Galeria Futuro” do Afonso Poyart e hoje, você integra o elenca da série “Olhar Indiscreto”, um dos mais recentes lançamentos da Netflix. Como vem sendo essa entrada para o mundo dos streamings?

A chegada dos streamings ampliou muito a capacidade de absorção dos profissionais do mercado audiovisual brasileiro e isso é maravilhoso. No início da minha carreira como atriz havia o teatro, o cinema e alguns poucos canais de televisão onde eu queria estar. Hoje em dia as possibilidades são infinitas, o que é positivo. Também ampliou os formatos dos produtos audiovisuais nacionais: além de novelas e filmes começamos a fazer séries mais longas e, felizmente, acho que esse é um caminho sem volta. Em contrapartida, as salas de cinema estão cada vez mais vazias. Agora que os lançamentos são quase simultâneos, não tem mais aquele lance de esperar chegar no streaming, muita gente tem preferido assistir filmes em casa. Mas espero que a gente consiga achar esse equilíbrio para os cinemas continuarem vivos. Pra mim, não tem nada mais emocionante do que assistir um filme nas telonas!

Você mencionou sentir falta de papéis femininos complexos no mercado audiovisual e decidiu escrever seus próprios projetos. Qual foi sua inspiração para isso? Qual foi o momento ou o papel que o fez perceber essa falta e o motivou a criar suas próprias personagens e histórias?

Não teve um momento específico; foi mais um despertar pro fato de que se eu quisesse interpretar as personagens que sonho, no ritmo que quero, eu teria que criar essa oportunidade. Porque nessa carreira de atriz, tem uma parte que você controla que é: estudar, ler muito e dar o seu melhor sempre. O resto, não depende de você. As coisas que você deseja podem acontecer no ritmo que você almeja ou podem demorar vários anos. Minha vontade de escrever partiu do fato de que quero fazer uma protagonista interessante, complexa e cheia de camadas amanhã!rs E é mais provável isso se concretizar logo se eu arregaçar as mangas e batalhar do que se eu ficar esperando o telefone tocar.

Tóia Ferraz (Foto: Nana Curti)

Um dos seus três roteiros principais atualmente é sobre abuso no ambiente profissional, com foco no universo feminino. Como atriz e roteirista, o que o torna especial e significativo para você e por que você decidiu abordar esse tema em seu projeto?

Esse tema é urgente. Abuso no ambiente profissional acontece no audiovisual e em diversos outros ambientes de trabalho. Só varia o contexto. Eu sempre sofri diversos abusos e em várias camadas nessa profissão, mas teve um em especial que (quase) me derrubou e, na época, me deu até uma certa vontade de largar tudo. Mas depois que eu conversei com outras atrizes, entendi que eu era só mais uma e que várias outras colegas de profissão tinham relatos piores que o meu. Foi aí que decidi colocar a história no papel. Se eu não podia falar, fui claramente silenciada na ocasião por profissionais envolvidos, então eu iria escrever. Se por acaso eu tiver uma filha algum dia e ela decidir ser atriz, poderei dizer a ela que não fiquei de braços cruzados.

Como você descreveria sua série de comédia, que tem como cenário os locais paradisíacos da Bahia e aborda as diferenças sociais existentes no Brasil? Qual é a sua inspiração para contar essa história e como você espera que ela faça as pessoas refletirem?

Esse tema sempre me atravessou, mas a inspiração foi uma viagem que fiz à Bahia em 2020. Minha experiência num Resort lá foi, no mínimo esquisita e, durante uma trilha na Chapada Diamantina alguns dias depois, conheci uma ex-moradora da vila que fica ao lado do hotel. Ela me contou sobre sua história de vida e sobre a comunidade onde cresceu cuja grande maioria dos moradores trabalha no Resort. Se eu já tinha ido embora do hotel com vontade de escrever sobre aquele universo, ao escutá-la, tive certeza. É importante dizer que a gente traz esse abismo social existente no Brasil, através de um humor ácido e bastante irreverente na série. A ideia é falar sobre as tensões de classe de forma bem humorada e provocadora. Sem dúvida, acho que é a melhor ferramenta pra provocar a reflexão.

Tóia Ferraz (Foto: Nana Curti)

Voltando a falar de “Olhar Indiscreto”, a trama gira em torno da Miranda, uma hacker que acaba se vendo numa perseguição ao espionar a vida de Cléo, sua vizinha que era uma acompanhante de luxo. Nos dias atuais, muito se ouve falar a respeito da segurança na internet, tanto é que há tempos temos relatos de inúmeros golpes na rede. Acha que a abordagem promovida pela série, mesmo se tratando de uma ficção, se torna importante para os tempos que estamos vivendo?

Acho que a arte tem esse papel de entreter, mas ele sempre pode vir acompanhado de uma reflexão sobre diferentes temas. Com “Olhar Indiscreto” não é diferente. Numa era onde colocamos (quase) tudo da nossa vida pessoal no digital, é sempre importante lembrarmos dos riscos. No caso da Miranda, essa questão é levada ao extremo e a personagem acaba tendo a vida virada completamente do avesso.  Na nossa vida cotidiana, é importante lembrarmos sempre de tomarmos os cuidados básicos pra não sofrermos as consequências dessa exposição desmedida.

Referente à pergunta anterior, você havia falado sobre a percepção de que sentia falta de papéis femininos mais complexos nas produções e que a indústria ainda era dominada pelos homens. Apesar de todos esses anos que as mulheres vêm lutando para conseguirem os seus espaços ao sol, você acredita que ainda a muito do que ser conquistado pela frente, não só no seu ambiente de trabalho, como na sociedade em geral?

Ah muito. Se pararmos pra pensar que as mulheres ganharam o direito de VOTAR em 1932, tudo fica com um ar de muito recente né? Então sim, há muito que ser conquistado ainda. A sociedade e o pensamento que nos rege são patriarcais há muitas e muitas gerações. Ainda vai levar um tempo pra quebrarmos isso totalmente. Mas sinto um movimento muito forte e bonito nos últimos anos. Nunca me senti tão inspirada por outras mulheres que começaram a ocupar cada vez mais os espaços em todas as esferas: na política, na cultura, nos cargos de liderança das empresas, etc. Também atribuo parte dessas conquistas ao surgimento das redes sociais, que de certa forma facilitou e democratizou o acesso a informação. A hashtag #metoo e a rapidez com que ela se difundiu é um exemplo deste avanço.

Tóia Ferraz (Foto: Nana Curti)

De que forma você vê o futuro do mercado audiovisual nacional e a presença de mulheres na frente e atrás das câmeras?

Sou otimista! Acho que estamos caminhando devagarinho, mas estamos caminhando. A revolução se dá aos poucos – e é uma revolução mesmo. Eu nunca tinha sido dirigida por uma diretora mulher até “Olhar Indiscreto” e, só na série, eram três! A Luciana Oliveira, a Letícia Veiga e a Fabrícia Zap. Foi uma experiência completamente diferente de tudo o que já tinha vivido. Essa coisa do exemplo, é muito forte. A presença delas ali comandando o set diz pra mim e pra todo mundo, que é possível e já é uma realidade. Meu namorado opera um equipamento de camera chamado “steadicam”. São pouquíssimos operadores no Brasil e, até pouco tempo atrás, todos homens. Hoje em dia, dentre os 20 que ele conhece, já tem umas três mulheres. Ainda é muito pouco, mas é um indício de que aos poucos, estamos chegando lá.

Durante a pandemia do COVID-19 que teve o ápice nos anos de 2020 e 2021, o isolamento social, consequentemente aumentou a demanda do público pelo entretenimento, e com isso, veio o nascimento de vários projetos, tanto de lives como de web séries. No seu caso, tivemos o lançamento da série “Da Janela”, que aborda o dia a dia de uma mulher que observava e comentava da janela do seu apartamento a vida de seus vizinhos. Nesse caso, você acredita que por mais que tenha sido doloroso a situação do mundo, a pandemia acabou se tornando um terreno fértil para as novas produções?

Para uns sim, para outros não. Sinto que tiveram alguns movimentos: aqueles que tiveram que sair pra trabalhar e botar comida na mesa porque não havia outra alternativa, aqueles que ficaram recolhidos e não tiveram forças ou energia mental pra criar e produzir e outros que conseguiram sobreviver justamente porque criaram e produziram. Eu, definitivamente, sou parte do terceiro grupo. No início, fiquei completamente perdida, sem norte, sem saber como ocupar minha cabeça e meu tempo. Em seguida, entendi que a única forma seria dando vazão para os meus pensamentos em formato de histórias e cenas. Daí nasceu a série “DA JANELA”. Foi a maneira que encontrei de navegar naquele cenário de tanta instabilidade e de seguir fazendo o que acredito que seja meu propósito de vida: contar histórias.

Tóia Ferraz (Foto: Nana Curti)

Como escritora de roteiros, qual é o seu processo criativo? Desde a concepção da ideia até a finalização do projeto, você poderia nos falar mais sobre como você desenvolve suas histórias e personagens, quais são as suas fontes de inspiração e como você mantém a consistência e a coerência do enredo durante o processo de escrita?

É engraçado porque sinto que é um movimento de duas mãos: vou atrás de personagens ricos e de universos curiosos mas eles também parece que chegam até mim, se eu me mantiver atenta e disponível. É muito curioso porque, depois que começo a escrever, sinto que muitas vezes a história que vai “se contando” pra mim e não o contrário. É muito louco. Mas claro, vira e mexe rola aquele  lance de você ficar um dia inteiro olhando pra uma página em branco e não vir nada. E esse momentos também precisam ser respeitados. Atualmente tenho um bloco de notas onde anoto tudo: desde frases de livro, até casos curiosos que escuto de amigos ou conhecidos. A gente nunca sabe o que pode dar um roteiro.

Como você consegue equilibrar habilmente o humor e a abordagem séria ao tratar da diferença social no Brasil em sua série de comédia, e como você busca garantir que esse equilíbrio seja mantido ao longo de todos os episódios da série?

Eu acho que os produtos mais geniais são aqueles que conseguem fazer isso de nos provocar, nos tirar da nossa zona de conforto, sem que a gente se dê conta – de forma sutil. O humor tem esse poder. Ele faz a gente pensar sobre algo, mesmo que estejamos resistentes. Eu costumo dizer que essa série é uma junção de “White Lotus” com “Bacurau” e “Parasita”, que são produtos onde eu acredito que há uma mistura de gêneros interessantíssima e uma crítica muito forte. Mas essa parte da crítica, no caso de White Lotus por exemplo, é carregada de uma acidez que torna tudo infinitamente mais atraente e interessante. Nossa série segue o mesmo caminho. Eu digo “nossa” porque esse é um projeto que estou desenvolvendo com outra roteirista, o que tem sido maravilhoso. Escrever em mais de uma mão enriquece o processo como um todo e confere uma complexidade a mais àquele universo. Estamos trabalhando neste projeto há aproximadamente um ano e, a cada episódio, temos o cuidado de observar se existe uma harmonia entre os capítulos e se o tom permanece o mesmo. É um desafio e tanto, mas se tem uma coisa que me instiga, é um belo desafio!

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*Com Regina Soares

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