80 Anos do Rei

Aos 80 anos, Roberto Carlos mantém intacto reinado fonográfico em caso raro no mercado brasileiro

Análise: Aos 80 anos, Roberto Carlos é caso raro de artista que Brasil não relegou ao ostracismo

Publicado em 19/04/2021 15:54
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Artista que ainda arrasta multidões graças a reinado fonográfico construído na década de 1960, quando foi bandleader do movimento publicitário-musical que deu voz à juventude da época (Jovem Guarda), e solidificado entre as décadas de 1970 e 1980, Roberto Carlos chega aos 80 anos de idade gozando de rara posição no mercado da música brasileira.

Embora seus shows sejam essencialmente recheados pelo magistral repertório construído entre os anos 70 e a primeira metade da década seguinte, Roberto Carlos ainda é o tal na memória afetiva de um Brasil que se acostumou ao longo de mais de 30 anos a ser abastecido por discos anuais do cantor (costume interrompido em 1997, dois anos antes da precoce morte de sua esposa, Maria Rita Simões Braga).

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Tal posição pode ser sustentada por uma série de boas escolhas ao longo de mais de 60 anos de trajetória artística. Quando foi o rei da juventude, na década de 1960, o cantor construiu imagem de bom moço em busca de proteção que conquistou o coração não apenas do público feminino jovem, mas também de suas mães.

Na década seguinte, a bem sucedida transição para o mercado adulto lhe sagrou como artista interessante que se propunha a experimentos estilísticos dentro da estética da soul music, que consagraria outro colega, Tim Maia (1942-1998), de quem gravou hit massivo (Não vou Ficar, de 1969) que ajudou a pavimentar o caminho até seu verdadeiro reinado: o de cantor romântico.

A partir de 1972, com a edição do álbum Roberto Carlos, o compositor se posicionou como o grande cronista de romances do Brasil. Seja como intérprete afinado ao dar voz ao clássico instantâneo Como Vai Você (Antônio Marcos/ Mário Marcos), seja como compositor cada vez mais interessante ao solidificar a parceria com o amigo de fé Erasmo Carlos com À Distância.

Um ano antes, o lançamento do hino Detalhes (1971) já havia dado pistas de que Roberto Carlos teria o total domínio das rádios brasileiras e, posteriormente, lugar de destaque no mercado internacional – com ênfase em países de língua latina. Em 1973, o hit Proposta manteve o artista no topo, e em 1974 foi a vez de O Portão e, claro, É Preciso Saber Viver, canção de caráter indulgente que se tornou hino informal de um Brasil ainda eclipsado por governos militares (e de tom menos político que a pacifista Todos Estão Surdos).

Inclusive, ainda que tenha se aliado, mais por inércia do que por ideologia, à crise política que o Brasil enfrentou ao longo de 22 anos, não se pode dizer que o rei não esteve atento aos acontecimentos ao seu redor. Desta forma, prestou homenagens a Caetano Veloso e Gilberto Gil (então exilados) e nunca se privou a elogiar a postura de nomes como Chico Buarque de Hollanda e Geraldo Vandré.

De fato, em ato afetuoso, compôs em homenagem a Caetano Debaixo dos Caracóis dos seus Cabelos (1971) e, anos mais tarde, viria a registrar uma das canções mais interessantes do velho baiano, Muito Romântico (1977).

O fato é que essa letargia aliada à fina estampa e a imagem de bom moço fizeram de Roberto Carlos uma unanimidade popular, embora não tão bem quisto pela crítica e por setores mais progressistas da música brasileira. Que pese a adesão de nomes como Nara Leão (1942-1989) e Elis Regina (1945-1982) ao repertório construído em parceria com Erasmo, Roberto sempre foi persona non grata na intelligenza brasileira desde antes do golpe militar.

Renegado pela turma da Bossa Nova e distante da revolução tropicalista, o cantor se alinhou com o público massivamente feminino em movimento ainda hoje forte, num legado que se mantém vivo, verdade seja dita, com a ajuda anual da rede Globo que não se priva de exibir seus especiais de fim de ano.

E, verdade seja dita, o status de rei conquistado pelo cantor se mantém intacto pelo fato de que, diferente de qualquer outro artista no Brasil, de Tom Jobim (1927-1994) a qualquer nome sertanejo, dificilmente outra música que não a do repertório de roberto tem cacife para ser cantarolada ou assobiada em qualquer canto desse Brasil profundo.

Mesmo com obra mais irregular a partir da década de 1990, o cantor seguiu como campeão de vendas, passando ao largo de movimentos como o funk e o sertanejo universitário – ainda que acoplados a seus especiais de fim de ano.

Canções como Mulher Pequena (2000), Acróstico (2003), Arrasta uma Cadeira (2005), embora não rocem a beleza e a genialidade de obras construídas em décadas anteriores, conseguiram manter o rei em pódio inabalável capaz de desbancar nomes como Jorge & Mateus e Luan Santana, que, na década passada, ocupavam sozinhos as paradas de sucesso.

Isso até a edição de Esse Cara Sou Eu, hit massivo que, se não rejuvenesceu seu público, garantiu a permanência de seus versos nos lábios de todos os brasileiros naquele ano de 2012, seja para o bem ou para o mau.

O fato é que, ao chegar aos 80 anos de idade, Roberto Carlos goza ainda de posição privilegiada no mercado fonográfico brasileiro. Mesmo com canções de repercussão limitada, como Sereia (2017), tema da novela A Força do Querer, de Glória Perez, ou Chegaste (2016), gravado em parceria com a diva pop Jennifer Lopez, Roberto Carlos ainda é o cara, e caso único num Brasil acostumado a relegar seus artistas mais velhos a um ostracismo cruel.

Por seu apurado senso mercadológico e pela força do magistral repertório construído ao longo de mais de 60 anos, Roberto Carlos merece ser celebrado como o principal artista de um Brasil que canta e, ao longo de muitos anos, ainda cantará suas canções que ajudaram a perfilar e compreender toda uma sociedade que ainda dobra seus sinos pelo artista.

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