Crítica

Antenado, Ney Matogrosso preserva frescor sempre moderno em EP onde recicla registros e intenções

Artista gira em universo já conhecido em EP que registra vitalidade aos 80 anos

Publicado em 04/08/2021 09:00
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Release de EP

Título: Nu com a Minha Música

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Artista: Ney Matogrosso

Gravadora: Sony Music

Cotação: * * *

Nas plataformas desde o último dia 01 de agosto, data em que Ney Matogrosso celebrou (inacreditáveis) 80 anos de vida, o EP Nu com a Minha Música (Sony Music) pode até frustrar os fãs mais atentos à (vasta) obra do intérprete mato grossense uma vez que Ney recicla intenções e registros neste registro que pode ser lido como uma espécie de derivado do show e disco Bloco na Rua (2019).

O fato é que, das quatro canções apresentadas no EP que antecipa o repertório do disco que o cantor lança em novembro deste 2021, ao menos três poderiam fazer parte do show em questão, ou mesmo do anterior, Atento aos Sinais (2013).

É claro que a quantidade de novidades ou o grau de ineditismo dos registros é detalhe menor frente à impressionante forma vocal do octogenário, que sublinha com perfeição os versos da canção título lançada pelo autor Caetano Veloso em 1981, que ganha contornos esperançosos frente ao cenário social, cultural e sanitário do Brasil contemporâneo.

Em (ótimo) arranjo orquestrado pelo violonista Marcello Gonçalves, Ney mergulha com fluidez entre as cordas do bouzouki de Marc Kakon e na percussão de Joca Perpignan, que quebram o tom monocórdio de canção que versa sobre a estrada percorrida pelo compositor baiano ao longo dos anos.

E é esse mesmo suingue que leva o artista a se derramar em registro sensual para a balada Se não For Amor eu Cegue, canção de tom folk composta por Lenine e Lula Queiroga e lançada em 2011 no álbum do primeiro, Chão. Ney sintetiza a sensualidade da paixão nesta canção de letra mais provocativa do que fez supor a (ótima) gravação original de Lenine.

Mas é nos versos espanhóis de Unicórnio que o intérprete realmente consegue se sobressair neste que é um dos melhores registros de sua carreira na última década. Versando sobre o amor gay na figura mítica de um unicórnio (como meio de burlar a ditadura cubana comandada por Fidel Castro à época do lançamento da gravação original, de Silvio Rodríguez, em 1981), a canção é obra tão sensual quanto melancólica.

Atento às nuances que cercam a obra, Ney embute delicadeza nesta obra à altura de quem já viveu o fogo ardente das paixões e hoje versa mais sobre o amor outonal da velhice. A canção seria desfecho perfeito para o EP, fechado ao som de gravação insossa de Gita, hino composto por Raul Seixas (1945-1989) e Paulo Coelho, tão batido quanto imponente no cenário da música popular do Brasil.

Competindo com gravações de nomes como Maria Bethânia, Rita Lee e do próprio Raul, Ney pouco (ou nada) faz pela canção, que soa desconectada do universo proposto pelo EP, que aponta para álbum de conceito mais maleável que suas obras anteriores.

É fato que, caso siga a proposta apresentada no EP, o álbum Nu com a Minha Música pode não adicionar nada à discografia magnânima de Ney Matogrosso, contudo, é certo afirmar que, aos 80 anos de idade, todos os registros da irrepreensível forma vocal do artista, em estúdio ou ao vivo, são bem vindos, uma vez que o intérprete nunca mostrou sinais de desgaste ou cansaço, seja nas cordas vocais ou na escolha do repertório de seus álbuns, sempre balanceados entre regravações de clássicos da música latino americana, seja no lançamento de compositores ainda em franca evolução.

Por esse teor incansável e sempre antenado, Ney de Souza Pereira já merece toda a atenção que é dispensada a todos os seus lançamentos, ainda que não estejam efetivamente à altura de sua voz.

Capa do EP Nu com a Minha Música
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